Link da matéria original: Valor Econômico.
Sob forte patrulha da SEC (a comissão de valores mobiliários dos EUA) e com inúmeros casos de fraudes, as antigas ofertas públicas de criptomoedas – conhecidas como ICOs -, que financiaram no passado diversos ecossistemas de criptoativos, têm se tornado cada vez mais raras. Por outro lado, vem crescendo o número de projetos de ativos digitais lançados com os chamados “airdrops”, modelo que premia os primeiros usuários dessas comunidades com “tokens” gratuitos que, se tudo der certo, podem se valorizar no futuro. Para receber o incentivo, basta utilizar a rede, testar ferramentas e ajudar a desenvolver casos de uso que promoverão o projeto.
Segunda maior criptomoeda do mundo, o ether – do blockchain Ethereum – teve o ICO mais famoso da história em 2014. Neste tipo de oferta, os desenvolvedores publicam um “White Paper” com suas intenções, descrevendo o tipo de utilidade que pretendem alcançar e um endereço de carteira digital para enviar o dinheiro. É estipulada uma data e aqueles que enviaram recursos recebem os novos tokens nas suas próprias carteiras digitais, em um processo similar ao de uma oferta pública inicial (IPO, em inglês) de uma empresa. O boom da modalidade de financiamento ocorreu em 2017, quando grandes protocolos como Cardano e Tezos foram lançados assim.
No entanto, durante o rali dos criptoativos de 2021, a SEC, já sob o comando de Gary Gensler, endureceu a postura contra os ICOs. Gensler considerou que a maioria das criptomoedas e ICOs violavam as leis americanas de mercado de capitais e encobriam, na realidade, a venda de valores mobiliários não registrados. “Geralmente, as pessoas que compram esses tokens estão antevendo lucros, e existe um pequeno grupo de empresários e tecnólogos levantando e alimentando esses projetos”, disse. No site da SEC, há um alerta aos investidores de que ICOs podem ser ofertas de valores mobiliários, portanto dentro da jurisdição do regulador.
Vinicius Bazan, CEO da Underblock, afirma que em 2017 não havia clareza regulatória de que um ICO poderia ser considerado uma oferta de valor mobiliário, porém hoje já é opinião comum entre as autoridades reguladoras, não só dos EUA, de que a oferta de um token na expectativa de um retorno financeiro pode ser enquadrada desta forma.
Os airdrops, por outro lado, driblariam este entendimento e teriam outros benefícios, como atrair para o projeto pessoas que realmente são usuárias da tecnologia, e não somente especuladores. “Você mostra uma apreciação do usuário real e traz um grau de descentralização maior, pois milhares de investidores podem votar no projeto a partir do momento em que ganham um token de governança”, explica.
Contudo, isso não quer dizer que a SEC veja airdrops com bons olhos. Paulo Boghosian, diretor executivo da gestora TCCotação de TC Pandhora, destaca que o regulador dos EUA também já se debruçou sobre o tema de maneira desfavorável.
Em 2018, a SEC publicou uma “stop order” para a Tomahawk Exploration, que fazia ICO e um programa de recompensas semelhante a um airdrop. Na ocasião, a SEC afirmou que a “doação” de um valor mobiliário é uma “venda” na acepção do “Securities Act”, quando o doador recebe algum benefício real.
Airdrops são menos visados pelas autoridades e trazem engajamento
— Vinicius Bazan
Para Boghosian, esse entendimento explica por que muitos regulamentos de airdrops incluem uma mensagem de que não são ofertados a investidores residentes nos EUA. “Americanos teoricamente não podem participar de ICOs e nem receber airdrops. Tudo está mudando e se adaptando às regras draconianas americanas”, argumenta.
Recentemente, o airdrop do protocolo EigenLayer, o mais esperado do ano, causou polêmica ao excluir usuários da China e dos EUA daqueles que poderiam receber os tokens EIGEN.
Nem por isso o mercado tem parado de fazer distribuições do gênero. Uniswap, Arbitrum, Celestia, Jito, Jupiter, Alt Layer, Dymension, e diversos outros projetos recentes foram lançados com airdrops, incitando uma “caça aos airdrops” no mundo inteiro. Há protocolos que chegam aos milhões de carteiras interagindo com eles mesmo antes de serem lançados, graças à expectativa de que os usuários serão remunerados com tokens.
“A grande diferença entre o airdrop e o ICO é que o airdrop é um meio de incentivo, enquanto o ICO permite que as pessoas invistam em uma rodada pública de um protocolo que está surgindo. Não são excludentes. Pode ter campanhas de airdrops e rodadas privadas e públicas com ICO ao mesmo tempo”, diz Boghosian.
Para Bazan, os empreendedores cripto estão percebendo que os airdrops são menos visados pelas autoridades e trazem mais benefícios em termos de divulgação e engajamento, de modo que seriam mais úteis do que apenas ofertar criptomoedas em contrapartida de um financiamento. “Faz mais sentido e é melhor para o dono do projeto”, avalia.